domingo, 21 de agosto de 2011

OS PEIXES: UMA SENSIBILIDADE FORA DO ALCANCE DO PESCADOR

Joan Dunayer
Traduzido do inglês por David Olivier

Tradução: Juliana Marques; revisão: Débora Vieira e Eliana Moser

Este artigo apareceu na revista americana Animal's Agenda (número de julho-agosto 1991), que deu-nos amavelmente a autorização para esta tradução.
Para certos nomes de peixes, não foi encontrado o equivalente em francês. Eles são, segundo o caso, deixados em inglês, ou traduzidos literalmente com o nome em inglês entre aspas.

Blackie, peixe vermelho da variedade kinguio, nadava com muita dificuldade devido a uma grave deformação. Big Red, peixe vermelho maior, notou sua angústia. Desde o instante em que Blackie foi colocado em seu aquário na loja de animais, Big Red começou a notá-lo. « Big Red supervisiona sem descanso seu amigo doente, levanta-o suavemente nas suas costas grandes e passeia com ele pelo aquário », conta um jornal sul-africano em 1985. Cada vez que a comida é colocada na superfície da água, Big Red carrega Blackie para que eles possam comer juntos. Faz um ano que Big Red demonstra sua « compaixão », segundo o proprietário da loja.

Por outro lado, os seres humanos demonstram ter bem menos compaixão para com os peixes. Trágica e ironicamente, os humanos não reconhecem a sensibilidade dos peixes, a qual, sob várias perspectivas, pode chegar a ultrapassar a dos humanos.


O mundo perceptível dos peixes

As orelhas internas dos peixes percebem todo o mundo aquático que os humanos não podem perceber sem ajuda de hidrofones. Como não possuem cordas vocais, os peixes « falam« comprimindo suas vesículas nadadoras, fazendo ranger seus dentes faríngeos. Ao esfregarem suas espinhas umas nas outras, eles produzem sons que podem variar de zumbidos e de barulhos a ganidos e soluços. Segundo descobertas de especialistas de biologia marinha, a « vocalização » dos peixes comunica estados como paquerar, dar sinal de alarme ou mostrar submissão, ao mesmo tempo em que comunicam a espécie, o tamanho e a identidade individual do « locutor ». O satinfin shiner macho, por exemplo, ronrona quando faz a corte e emite batidas surdas quando defende seu território. A linha lateral, órgão sensitivo que a maioria dos peixes possui de cada lado do corpo, forma uma série de filamentos sensíveis alinhados da cabeça ao rabo, detectando também as vibrações. Enquanto o peixe nada, este órgão sinaliza para o peixe os objetos próximos graças às vibrações que envia, autorizando assim a navegação e a localização precisa das presas no escuro.

Morfologia de um peixe típico (téléolstéen). Segundo J. Nichools, no Guia da Fauna e da Flora litorâneas dos mares de Europa, Ed. Delachaux & Niestlé, Paris, 1979.

A sensibilidade dos peixes à luz é maior que a nossa. Muitos peixes das profundezas vêem na penumbra onde um gato não vê nada. As espécies de água pouco profundas têm uma visão em dois níveis ao nascer do sol; os cones da retina, sensíveis à cor, avançam e os bastonetes, sensíveis à luz fraca, retraem-se em profundidade; enquanto, ao por do sol, o processo se inverte. Durante a transição, numerosos peixes se beneficiam da percepção da luz ultravioleta, que é suficiente para lhes indicar a silhueta dos insetos na superfície da água. Uma luz viva repentina, vinda, por exemplo, de uma lanterna, surpreende e desorienta um peixe que tem visão adaptada para a noite. Isso pode provocar sua fuga, sua imobilidade ou mesmo sua submersão. A luz pode também destruir os bastonetes.

Na maioria dos peixes, as papilas gustativas se localizam não somente na boca e na garganta, mas também nos lábios e no focinho. Muitas das espécies que se alimentam no fundo têm receptores gustativos também na extensão das suas nadadeiras pélvicas ou nas barbatanas de seus queixos, que servem como línguas externas. Os peixes-gatos podem provar o alimento a certa distância graças a milhares de receptores gustativos.

Que sensibilidade os peixes têm ao odor? Os salmões podem percorrer milhares de quilômetros ao longo de suas migrações e, muitos anos mais tarde, reconhecer o odor do curso da água de origem. As enguias americanas detectam o álcool a uma concentração de uma fração de bilhão de gota em 90 m3 de água (o conteúdo de uma grande piscina). Através deste único odor, certos peixes podem determinar a espécie, o gênero, a receptividade sexual, ou a identidade individual de outro peixe.

Os peixes reagem fortemente ao fato de serem tocados. No momento de paquerar, eles freqüentemente se esfregam de maneira delicada uns nos outros. Os registros efetuados pelo Narragansett Marine Laboratory revelaram que o robin dos mares [sea robin] ronrona quando é acariciado. Ricardo Mandojana, fotógrafo submarino, ganha a amizade de um peixe-judeu inicialmente desconfiado coçando levemente a sua face. Com o passar dos meses, o peixe, aparentemente impaciente por ser acariciado, vem ao encontro do mergulhador durante seus passeios.

Numerosas espécies de peixes têm centenas de receptores elétricos na pele, o que lhes permite detectar a forma do campo que eles mesmos produzem. Um objeto menos condutor que a água, como uma rocha, forma uma sombra no campo; um objeto mais condutor, como uma presa, aparece como um ponto brilhante. A imagem elétrica que o peixe percebe indica o local, o tamanho, a velocidade e a direção do movimento do objeto. Um peixe elétrico pode também « ler« a carga produzida por um outro, a qual depende do tamanho, da espécie, da identidade individual e das intenções (que podem ser, por exemplo, o desafio ou a procura de um parceiro sexual) daquele que o produz. O peixe-faca listado macho afirma seu domínio por meio de uma série de impulsos rápidos; seu rival potencial se submete parando de « falar ».

Produzindo ou não o mesmo sinal elétrico, numerosos peixes são sensíveis ao campo elétrico que produz todo ser vivo e podem, assim, detectar uma presa escondida na areia ou no cascalho. Theodore Bullock, especialista dos sistemas nervosos, notou que certos tubarões podem perceber um campo elétrico equivalente ao que produz uma pilha de 1,5V a 1500 km.


A capacidade que eles têm de sofrer

De acordo com outras sensibilidades, não há duvida sobre a capacidade dos peixes de sentir stress e dor. Quando são perseguidos, capturados, ou ameaçados de todas as maneiras, eles reagem como os humanos face ao stress pelo aumento da sua freqüência cardíaca, do seu ritmo respiratório e por uma descarga hormonal de adrenalina. O prolongamento de condições adversas, como grande confusão ou a poluição, ameaça lhes fazer sofrer de deficiência imunitária e de lesões orgânicas internas. Tanto pela bioquímica como pela estrutura, seu sistema nervoso central se parece intimamente com o nosso. Nos vertebrados, as terminações nervosas livres registram a dor; os peixes a possuem em abundância. Seu sistema nervoso produz também as encefalinas e as endorfinas, substâncias análogas aos opiáceos que possuem um papel contra a dor nos humanos. Quando estão machucados, os peixes se contorcem, ofegam, e exibem outros sinais de dor.

Fica lógico que os peixes sentem medo, e este tem uma função na aquisição do comportamento de fuga. Se um vairão for atacado uma vez por um brochet, ou se vir outro ser atacado, o odor de um brochet é suficiente para fazê-lo fugir. Os peixes que foram atacados por jovens brochets fogem assim que escutam o rangido de dentes desses últimos. O pesquisador R.O. Anderson mostrou que os Percas de boca grande aprendem a evitar rapidamente os anzóis simplesmente ao verem outros serem capturados. Centenas, talvez milhares de experiências foram feitas durante as quais os peixes foram levados a cumprir tarefas dentro do objetivo de evitar choques elétricos.

Numerosos cientistas reconheceram ter induzido os peixes ao medo. Entre as « observações do comportamento motivado pelo medo nos peixes vermelhos » feitos pelo psiquiatra Quentin Regestein, encontrou-se: « Um peixe assustado pode se enlaçar avançando ou fugir ou se agitar no mesmo lugar, ou ficar simplesmente mole se ele não suporta a situação ».

Os peixes gritam tanto de dor quanto de medo. Segundo Michael Fine, biólogo marinho, a maior parte dos peixes que produz sons « vocalizam » quando tocados, quando pegos, ou quando perseguidos. Numa série de experiências, William Tavolga fez murmurar peixes-sapos infligindo-lhes choques elétricos. Começaram também a murmurar logo que viam eletrodos.


Os peixes « animais de estimação »

Mesmo quando não há a crueldade da experimentação animal, a captura dos peixes negligencia as suas necessidades mais fundamentais. Nervosos e frágeis, eles estão mal adaptados a uma vida reclusa em aquário. Todavia, só nos Estados Unidos, centenas de milhões de peixes estão aprisionados.

Os peixes são mais sensíveis à temperatura do que qualquer outro animal de sangue quente. Uma variação brusca de apenas alguns graus pode matar um peixe vermelho. No entanto, alguns são colocados em pequenos reservatórios onde a temperatura pode variar rapidamente.

Os peixes de aquário não possuem nenhuma possibilidade de escapar das substancias tóxicas que penetram em sua água. Numerosos poluentes domésticos podem lhes prejudicar, entre eles a fumaça do cigarro, os vapores de pintura e as gotas de vaporizadores. Dentro de um bocal ou reservatório, o amoníaco que eles mesmos excretam pode se acumular e chegar a um nível tóxico. O próprio cloro em pequena quantidade pode, como o amoníaco, induzir a dificuldades respiratórias e espasmos nervosos. O nível de cloro da água da torneira pode facilmente ser fatal.

Os peixes de aquário são bombardeados em permanência por cenas e barulhos dos humanos. O simples fato de acender a luz num quarto escuro pode assustá-los ao ponto de lançarem-se contra o vidro, e se matarem. As vibrações vindas da televisão, do radio, ou de uma porta que bate podem também os assustar e machucar. Em You and Your Aquarium, Dick Mills previne que « qualquer choque ou batida no vidro do aquário pode facilmente chocar ou estressar os peixes ». Um pesquisador, H.H.Reichenbach- Klinke, descobriu que peixes freqüentemente expostos a musica forte desenvolvem lesões mortais do fígado.

Os peixes de aquário são deixados à mercê da agressão artificial, mas são privados da natural. Eles não têm necessidade de atividades como a procura de alimento através da vida diversificada dos recifes de corais. Ao contrário, eles percorrem as mesmas dezenas e centenas de litros, e aceitam passivamente dia após dia a mesma comida comprada pronta. Segundo Mills, os peixes de aquário sofrem seguidamente de tédio.

Os peixes vermelhos e outros peixes sociais necessitam da companhia de membros de sua espécie, sem a qual, comenta ainda Mills, « podem perecer ». Quando perdem um companheiro, observamos nos peixes sociais os sinais de depressão, tal como letargia, palidez ou nadadeiras moles. O zoólogo George Romanes comenta em Animal Intelligence o seguinte incidente: quando um proprietário de aquário se desfez de um dos seus dois ruff, o que ficou parou de comer durante três semanas até o dia em que trouxeram seu companheiro.

O mal que os aquarófilos infligem aos peixes ultrapassa amplamente o aquário. Inúmeros são os peixes que morrem antes de chegarem ao varejista, durante o transporte desde o local de captura, ou desde a « fazenda de peixes » (onde nascem atualmente 80% dos peixes ditos « ornamentais » dos Estados Unidos). Somente a captura mata ou machuca milhões. Eles são imobilizados com o auxilio de anestésicos, de dinamite ou de cianeto, depois capturados com a mão ou redes. William McLarney, biólogo de pesca, observou uma captura com bomba de cianeto:

Uma dúzia de peixes-esquilos vermelhos rapidamente foge em bando do seu habitat de coral a 8 metros de profundidade e se lança, sufocando e trepidando, até a superfície. Seu impulso os leva a até trinta centímetros acima da superfície, de onde caem com pequenos ruídos secos, e ao final bóiam, cansados, girando fracos em círculos. Sobre eles, um Mero de três libras tosse violentamente, as brânquias ardendo. Ele tenta nadar mas é derrubado, depois bóia sem ruído como uma bóia sinistra.

Nesse meio tempo, no fundo, peixes mais « comuns » para interessarem aos clientes «entram em convulsão ou escorregam sem movimento».


A pesca comercial

A pesca comercial também dizima os peixes, matando milhares a cada ano. Em geral, para eles, a morte não é rápida nem indolor.

Rede giratória e envolvente. A parte inferior do fio é fechada no meio de uma corda deslizante. 
Na pesca de arrastão, o barco fecha, com uma rede, um círculo em torno de um cardume, depois iça, suspende o cardume e o joga dentro da salmoura líquida que é mantida a O grau Celsius. Aqueles que não morrem esmagados ou estrangulados são vitimas do choque térmico. Este método, empregado por pescadores que caçam os atuns de nadadeiras amarelas, provoca uma tempestade de protestos a favor dos golfinhos que nadam por baixo dos atuns e se enroscam nas redes com eles. Mas poucas vozes se elevam contra a morte dos próprios atuns. E os atuns são também animais sensíveis às vibrações, portanto é claro que eles também ficam aterrorizados e feridos pelos barcos motorizados e pelas explosões submarinas que levam os golfinhos a se agruparem em um lugar. A onda de pressão de uma detonação submarina pode romper a vesícula nadadora de um peixe.

Pesca com rede em forma de cesto. Uma rede precede a borda inferior do fio e raspa o fundo do mar para desalojar os animais.
Na pesca com rede, um barco se movimenta carregando atrás dele, na água, uma enorme rede. Todos os peixes que entram são empurrados pelo movimento de tração em direção à sua extremidade que possui a forma de um saco rendado. Durante uma ou mesmo quatro horas, os peixes capturados são puxados e pressionados uns contra os outros, juntamente com outros fragmentos e seixos que a rede colhe do fundo. Em Distant Water: The fate of the North Atlantic Fisherman, William Warner fala de uma captura: « o atrito dos peixes uns contra os outros devido à agitação e a compressão prolongada da rede lhes enfraquece as escamas incisivas ». « A fricção, de fato, deixa-os em carne viva ».

A descompressão à qual são submetidos torna-se insuportável quando são forçados a subir depois de certa profundidade. A queda da pressão provoca uma dilatação do gás encapsulado em sua vesícula nadadora, que não pode ser compensada rapidamente pela absorção da circulação sanguínea. Em seguida, a pressão interna faz com que a vesícula nadadora arrebente, ou os olhos saiam da órbita, ou o esôfago e estomago saiam pela boca. « Muitos dentre eles têm buracos onde deveriam estar os olhos », comenta Warner numa de suas observações sobre um barco pesqueiro. Em outro momento, ele nota que, dentro da rede, há « uma grande espuma de bolhas... provindas de milhares de vesículas nadadoras rompidas »1 ».

Os peixes relativamente pequenos, tais com as solhas espinhosas, são comumente esparramados sobre a pilha de gelo; a maioria morre sufocada ou esmagada pelas camadas seguintes de outros peixes. Os peixes maiores tais como os hadoques ou bacalhaus têm suas vísceras arrancadas imediatamente. William MacLeish descreve o método de triagem que ele viu ser praticado: a equipe de pescadores esfacela os peixes com bastões afiados, « jogando de um lado os bacalhaus, de outro lado os hadoques, lá ainda os rabos-amarelos » [Yellowtail]. Em seguida, os peixes não desejados (« lixo »), que representam muitas vezes a maioria da captura, são jogados sobre a margem, muitas vezes com um tridente (ancinho).

Somente numa tarde, os pescadores podem jogar no mar até 60000 km de redes; dentro das águas profundas do Pacifico, usam-se sobretudo redes móveis, mas pode-se também usar redes amarradas dentro das águas costeiras. Trata-se geralmente de redes de plástico que possuem bóias em uma de suas pontas e pesos na outra ponta. Essas bóias balançam como cortinas na superfície, geralmente até uma profundidade de 10 m. Além de provocarem a morte não intencional de mais de um milhão de mamíferos, de tartarugas e aves a cada ano, estas redes infligem um sofrimento enorme aos peixes.

Eles não vêem as redes e nadam diretamente para elas. Se são muito grandes para atravessá-las, os peixes geralmente ficam com a cabeça presa numa das malhas. Eles tentam então recuar, mas a malha lhes prende pelos opérculos das brânquias ou pelas nadadeiras. Muitos destes peixes vão então morrer sufocados. Outros lutam desesperadamente nas malhas cortantes e seguidamente sangram e morrem vazios de seu sangue, quer consigam ou não se libertar. Muitos dos pescadores não retiram as redes todos os dias, e a morte pode levar dias. Em Sports Illustrated (16 de maio 1988), o jornalista Clive Gammom descreve os bacalhaus pegos depois de dois dias. Muitos dentre eles estavam « sem olhos, sem nadadeiras, sem escamas »; numerosos outros foram devorados pelas pulgas do mar. Os peixes imobilizados são uma presa sem defesa (os predadores que eles atraem ficam seguidamente presos também às redes). Quando uma rede é erguida, os peixes são extraídos com gancho.

Certos pescadores comerciais pegam ainda os peixes maiores e preciosos (os peixes-espadas, os atuns e tubarões) com arpão, ou com anzóis individualmente. Mas comumente eles os prendem por longas linhas flutuantes. Este método, igualmente empregado para os peixes menores, consiste em desenrolar uma grande quantidade de fio (até 50 km) contendo centenas ou milhares de anzóis munidos de iscas.


A pesca de lazer

Em torno de 40 milhões de habitantes dos Estados Unidos - 16% - maltratam os peixes por « esporte ». Muitos adeptos da pesca de lazer afirmam que as vitimas não sofrem. Todos os dados conhecidos indicam o contrário.

O pesquisador John Verheijen e seus colaboradores estudaram a reação das carpas ao anzol num fio. Assim que são presas, as carpas agitam a cabeça, cospem como se tentassem cuspir a comida, pulam pra frente e mergulham. Obtemos a mesma reação inicial administrando-lhes choques elétricos dentro da boca. Quando são presas e mantidas numa linha estendida durante o período de alguns minutos, elas cospem o gás de sua vesícula nadadora; assim que a linha é solta, elas entram na água. Fazem exatamente o mesmo quando submetidas a um choque elétrico intenso e prolongado. De uma maneira incrível, elas reagem do mesmo modo quando as assustamos lhes prendendo num espaço reduzido ou lhes fazendo sentir o cheiro de um membro ferido de sua espécie. Os pesquisadores concluíram que o anzol suspenso num fio provoca certa combinação de terror e de dor.

Na pesca a linha, o contraste é grande entre a aparência de um lado, quer dizer o ar despreocupado e calmo do pescador (acima), e a realidade mortal da violência cometida (abaixo). As duas imagens foram retiradas de A Pesca, ed. Larousse, 1968.
Durante a luta do peixe preso ao anzol, seu glicogênio muscular (forma de estoque de glicose) é consumido e exterminado, assim como o acido láctico se acumula rapidamente em seu sangue. Em alguns minutos, a metade das reservas de glicogênio de uma truta arco-íris é desgastada pelo esforço violento que ela fornece. No número de maio de 1990 do Field and Stream, o cronista Bob Stearns reconhece que o acido láctico pode « imobilizar » um peixe « de modo bem mais rápido e intenso que as câimbras e outras dores musculares que nós, humanos, sentimos quando exercitamos demais os músculos ». Quanto mais o peixe luta, maior é a acumulação de acido láctico. Porém, os pescadores sentem prazer em « trabalhar » duro durante a pesca. No numero de julho de 1990, Stearns exalta uma « pequena esposa de pescador » que pesca um peixe espada durante mais ou menos cinco horas: « Cada vez que o peixe ficava lento, ela aproveitava a ocasião: puxando-lhe, pressionando e forçando-o a gastar suas próprias reservas de energia, não lhe dando um único instante de descanso ». Antes de serem tirados da água, muitos peixes morrem de cansaço.

Diversas variedades de anzóis
Para muito outros, o pior dos sofrimentos ainda está por vir. Tipicamente, o pescador puxa os peixes médios e grandes para dentro do barco fisgando-os com a ajuda de um arpão. Às vezes eles são esfolados vivos. Muitos pescadores têm o habito de fisgar as presas ainda vivas numa corda ou uma rede que eles deixam por horas na água. Uma corda é fincada em cada peixe, geralmente pela boca e saindo por uma abertura das brânquias. Uma rede, munida de fechos que parecem enormes alfinetes, serve para emparelhar os peixes, geralmente através da mandíbula. A maioria dos peixes da pesca de lazer morre sufocada. Mesmo fora da água a morte pode ser lenta. Na edição de outubro de 1980 de Field and Stream, Ken Schulz descreve uma Perca depois de uma hora fora da água: ela tinha as nadadeiras e brânquias vermelhas e « continuava a sufocar ».

A pesca em que o pescador libera a presa inflige, no mínimo, terror, dor e uma incapacidade temporária ou seguida, permanente ou fatal. O editor adjunto de Field and Stream, Jim Bashline, admite em um artigo do número de maio de 1990 que é freqüente ver o peixe « se debater violentamente quando o pescador puxa o anzol, que ele foge e bate brutalmente no fundo do barco ou do solo rochoso ». As quedas, a manipulação dos fios ou a mão e outras agressões ainda machucam a pele superficial delicada e transparente do peixe. Esta camada mucosa externa o protege contra infecções e protege os tecidos subjacentes contra a entrada ou saída excessiva de água; todas as condições que podem ser fatais. Experiências que também foram feitas confirmam que os peixes podem morrer de envenenamento por causa do próprio ácido lático, e isso muitas horas depois de estarem exaustos, e terem ficado muito tempo completamente paralisados. O próprio anzol é sempre uma fonte de machucados. O peixe que tem a boca gravemente dilacerada pode ficar incapaz de se alimentar. Muitos peixes são ainda soltos com o anzol preso nas brânquias ou nos órgãos internos, no caso de o terem engolido.

A pesca constitui também uma tortura infligida a aqueles que são empregados como isca. Os pequenos peixes, como os Vairões (ou Tanictis) utilizados com este fim, são geralmente presos pelas costas, lábios, ou mesmo pelos olhos. Já que as feridas tendem a atrair as espécies predatórias que são procuradas, certos pescadores infligem ainda outras às suas iscas, cortando as nadadeiras ou quebrando-lhes as costas.

A administração dos peixes para a pesca de lazer

A fim de assegurar a estabilidade do número de presas, os criadores de alevinos nos Estados Unidos soltam, por ano, nos estuários das águas centenas de milhões de peixes, principalmente salmões e trutas. Ted Williams, que se descreve ele mesmo « um antigo cão de guarda dos administradores » qualificou as criações de peixes de « lixos genéticos ». Num artigo publicado em setembro de 1987 no Audubon, ele escreve: « Depois de anos de reprodução consangüínea, as trutas dos criadores tendem a ser deformadas. Os opérculos branquiais não fecham mais, as mandíbulas são tortas, as caudas são esmagadas ». Certas más mutações são cultivadas intencionalmente; assim, a agência governamental de gestão da fauna selvagem do Estado de Utah tem produzido massivamente albinos, sensíveis à luz, para servirem de presas fáceis de serem capturadas.

Williams deplora as condições de criação de trutas dos criadores e fala de « tanques de concreto infectos e superlotados, que eliminam as escamas e as nadadeiras dos peixes ». Ele adiciona que os peixes são despreparados para a vida selvagem. Mesmo se as trutas fogem quando sentem um movimento acima delas, as que vêm dos criadouros ficam lá, esperando para serem alimentadas (os pescadores não reclamam). Williams, ele mesmo apaixonado pela pesca de linha, abre a barriga de uma truta de um criadouro, e encontra numerosos tocos de cigarro que o peixe, habituado a comer granulados, tinha engolido.

Mark Sosin, adepto da pesca de lazer e John Clarke, biólogo de pesca, escreveram um livro para os pescadores de linha, Through the Fish's Eye: An Angler's Guide to Gamefish Behaviour (« Através do olho do peixe: um guia sobre o comportamento dos peixes »), no qual eles ingenuamente definem como objetivo da administração da criação dos peixes: « fornecer o melhor peixe para o prazer do pescador ». Com o objetivo de reduzir a população dos pequenos peixes que não lhes interessam e aumentar a claridade da água, os administradores esvaziam parcialmente com freqüência certos lagos e tanques, deixando assim as espécies não desejadas sofrer da falta de alimento, da falta da cobertura de água, de espaço para evitar os predadores. Friamente, Sosin e Clarke aconselham: « Quando um lago ou tanque fica fortemente povoado de espécies não desejadas, a melhor solução pode ser aniquilar todos os peixes e recomeçar de novo. Podemos geralmente secar o lago, ou envenenar todos os peixes (...) Uma vez todos os peixes mortos, a bacia pode ser cheia de novo e povoada segundo a combinação desejada de espécies predatórias e presas ». A combinação desejada é, deve-se compreender, aquela que desejam os pescadores de linha e « administradores da fauna » cujos salários vêm em grande parte das licenças de pesca.

A maioria dos humanos sente pouca simpatia pelos peixes. Porque os enxergam como uma massa, ou como idênticos através de espécie, as pessoas negligenciam facilmente os peixes como indivíduos. Porque o mundo deles é um mundo aquático cujos meios de comunicação escapam aos nossos sentidos, porque sua aparência física difere tanto da nossa... Por todas essas razões, muitos humanos não lhes reconhecem a sensibilidade. O resultado é que o mau trato destes animais é socialmente aceitável. À medida que o número de pessoas conscientes acreditarem na sensibilidade dos peixes, estes começarão a receber a compaixão e o respeito que merecem.

No domínio dos sentimentos, Big Red tem muito a nos ensinar.


Nota :

1.
« Os peixes que são largamente consumidos – atuns, arengues e bacalhaus pequenos – são todos pescados entre a superfície e em torno de 800metros de profundidade. Mas a concorrência e a raridade de bancos obrigam os barcos pesqueiros a mergulharem os fios cada vez mais profundamente. Resultado: os peixes que até agora desconhecíamos chegam ao mercado. Como o Peixe rato (ou Peixe prego), que vive a mais de 1400 metros de profundidade.
Para responder às necessidades dos novos pescadores, uma sonda acaba de ser colocada por Micrel, uma sociedade da Bretanha, em colaboração com o Ifremer (Instituto francês de pesquisa e exploração do mar) ».
Libération, 16 de outubro de 1991; NdT.

EU NÃO COMO BICHO

Por Maurício Esteves Coca
Extraído da revista Veja de 18 de outubro de 1995.

"E pensar que houve um tempo em que eu me deliciava com carne vermelha. Nos almoços e jantares, gostava de filés sangrentos, pantagruélicos churrascos e hambúrgueres suculentos. Achava a carne de animais indispensável. E hoje não consigo olhar uma chuleta. Picanha, nem em fotografia. Só o cheiro de maminha me enjoa. Meu paladar não mudou nem estou mais preocupado com a minha saúde. São as informações e o conhecimento que me embrulharam o estômago. Há dois anos, fundei o Instituto de Proteção aos Animais do Brasil, mas batalho pela causa faz mais de dez anos. Uma das atividades do instituto é o recebimento de denúncias sobre maus tratos aos bichos. Infelizmente, é o setor mais agitado. Foram as denúncias da crueldade contra os animais que me fizeram fugir dos "prazeres" da carne.

Uma vaca leva três marretadas na cabeça, às vezes mais, para morrer. São marretadas de ferro, com cabo de aço. Imagine-se a dor. Quando não morre, o animal é retalhado ainda vivo. Ao ver aquela carne toda assando sobre as brasas da churrasqueira, a imagem que me vem à cabeça é essa.
Não como mais carne vermelha. Mas não porque ela pode fazer mal ao meu organismo. Não é uma questão de carne vermelha contra carne branca. Evito carne de boi, porco, aves e peixes. Também não compro cintos, malas, nem sapatos de couro animal. Eu protesto pelos crimes contra os animais. Não consumo a carne de um bicho que foi torturado e sofreu intensa dor. Sou vegetariano por uma questão de consciência.


Em geral, os homens não estão nem um pouco preocupados com os métodos pelos quais os animais são abatidos. Como seres pretensamente superiores, querem apenas se alimentar. É uma pena, pois todo esse sofrimento, dor e angústia é o que se ingere junto com os bichos. A consciência ecológica, tão decantada, fecha os olhos para as barbaridades cometidas contra os animais.

É uma hipocrisia, e outra forma de egoísmo, abandonar a carne vermelha para comer só frango e peixe. Ora, um frango passa 45 dias ingerindo uma ração pavorosa, sem poder se mexer, unicamente para ser decepado e retalhado. Em gaiolas que caberiam vinte, ficam entulhados cinquenta frangos. A galinha, por sua vez, é mantida em ambiente iluminado artificialmente, o tempo inteiro, para botar mais ovos. Assim, viola-se o ciclo noite e dia para, à custa dos animais, conseguir mais lucros. Você já imaginou ficar num cubículo permanentemente iluminado, preso até morrer? Isso é barbárie.


Os bezerros que depois viram baby beef só conhecem o sofrimento em seus poucos meses de vida. Eles são mantidos, desde o nascimento, em cubículos pouco maiores que eles para não criar músculos e ter carne macia. Morrem sem ter dado um único passo. Quanto mais comermos baby beef e vitela, mais bezerros serão mantidos assim.


Os porcos, além de ser tratados como animais sujos - que não são - e ser alimentados com restos de comida, muitas vezes na beira de córregos imundos, morrem de forma cruel. Um facão corta-lhes o pescoço de lado a lado, e eles são deixados sangrando, até secar. Em alguns casos, depois são jogados numa piscina de água fervendo. Imaginem, morrem esfaqueados e seus corpos são afogados e queimados.

No transporte de bois, se algum cai ou se deita, leva umas bordoadas para se levantar. Quando não dá certo, o motorista do caminhão liga uns fios à bateria e dá choque nos coitados.

Esses métodos cruéis de abate, criação e transporte são mais comuns do que se imagina. Além disso, várias pesquisas mostram que cerca de metade da carne que se come, é proveniente de abatedouros clandestinos. Isso significa que além de sofrer um abate terrível, o animal pode ser doente.

O ato de não comer carne vermelha por não ser saudável é ganância do homem.
O ato de não comer outros seres vivos por respeito a eles é algo divino.
Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito a uma existência e a uma morte dignas."

terça-feira, 16 de agosto de 2011

ELES SENTEM PENA, MAS COMEM O OBJETO DE SUA COMPAIXÃO


Texto retirado do blog "CONSCIÊNCIA HUMANA" da SIMONE NARDI...
"Blog criado para despertar nos homens, a consciência de que eles são o meio ambiente onde habitam. Preservar o Meio Ambiente é preserva a vida na Terra!"

Aproveite o link e confira os diversos posts dedicados à causa animal:

  



Essa é uma frase de Oliver Goldsmith, um escritor inglês, na frase completa ele indica a indignação pelo pensamento humano ao dizer: “Mas, no entanto (consegues acreditar?) eu tenho visto o próprio homem que se gaba da sua ternura, a devorar de uma só vez a carne de seis animais diferentes num fricassé. Estranha contradição de conduta! Têm piedade, e comem os objetos da sua compaixão!”.
Numa só frase ele demonstra como muitas vezes nós somos contraditórios entre o que falamos e o que realmente fazemos. Nós acostumamos a chamar os animais de irmãos, no entanto visitamos churrascarias, fazemos lanches com presunto, comemos frango assado no domingo com a família, tudo numa “boa”; nossas reuniões familiares normalmente são recheadas das carnes desses nossos irmãos em evolução. Talvez nunca tenhamos parado para realmente pensar no significado da palavra irmão e na extensão da palavra animais.

Nós somos todos irmãos, todos centelhas Divinas criadas por um mesmo Pai, irmãos espirituais que devem se auxiliar na grande caminhada evolucional. Não somos irmãos apenas no reino “hominal”, mas em todos os reinos onde Deus colocou suas mãos. Não somos irmãos apenas no Planeta Terra, mas em muitos outros Planetas , em muitos outros Universos que ainda desconhecemos. Fisiologicamente somos parecidos com os animais, e podemos compreender que o reino animal abarca a todos os seres, mesmo aqueles aos quais nós desconsideramos por uma tradição cruel que nos foi trazida pelo passado remoto de nossos ancestrais.


Os cães, os gatos, os pássaros, os peixes, não apenas aqueles que estão ao nosso lado são nossos irmãos animais, mas aqueles cães e gatos abandonados nas ruas, nos laboratórios de experimentação, os peixes que se debatem nas redes, que se prendem aos anzóis e sufocam aos poucos, esses também são nossos irmãos e caminham conosco na seara Divina. Os bois, suínos, galos, gansos, carneiros, coelhos e tantos outros que são usados como alimento, esses também são nossos irmãos. E um irmão não deveria matar outro irmão.



Quando vamos passar a considerá-los assim? Quando vamos deixar nossos medos e tradições, para alçarmos mais um degrau em nossa evolução? Nosso minuto de prazer valeria mesmo a vida de um desses nossos irmãos? O Planeta já nos pede essa consciência de fraternidade, os animais nos pedem essa consciência fraternal, a vida nos pede essa reflexão.

Somos contra os rodeios, as vaquejadas e as touradas, somos contra o uso de peles, contra a dor infligida aos animais, tiramos um cão da rua, o abrigamos e alimentamos, no entanto nos permitimos nos alimentar de outro, protestamos quando ouvimos dizer que outros povos comem cães e gatos, mas ignoramos a senciencia dos porcos, somos a favor a vivissecção, porém não desejamos ver o que se passa dentro dos laboratórios com os cães que não tiveram a mesma sorte dos nossos, e ouvimos a voz de Oliver Goldsmith ecoar em nossa mente: Têm piedade, mas comem o objeto de sua compaixão”.



Até quando teremos apenas “piedade”?

Simone Nardi

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

QUEM É O PORCO?


Porcos são animais dóceis, amigos e podem viver em contato conosco de modo semelhante aos cães domésticos. São sensíveis e capazes de amar seus donos se conviverem com seres humanos realmente humanos. Porcos são também inteligentes. Testes científicos demonstraram que os porcos podem realizar tarefas semelhantes àquelas que cães são capazes e, em alguns casos, podem ser adestrados de modo a realizarem tarefas tão excepcionais, que outro tipo de animal não conseguiria. Mas devido ao hábito humano de consumo desse animal, o porco é submetido a muitos tipos de agressões e desrespeitos. O modo como comem (fuçando a comida) criou a idéia de que esses bichos não teriam “higiene” ao se alimentarem. Daí o substantivo “porco” ter dado margem à criação do adjetivo do mesmo nome. “Porco” ficou sendo o epíteto, não somente de uma pessoa que não tem higiene, mas para diversos outros, como obesos, policiais, as pessoas sujas, etc.



Hoje considera-se como “porcaria”, diversos tipos de hábitos ou atos, que os porcos são incapazes de cometer, ou de pelo menos de não o fazer intencionalmente, como emitir gazes, arrotar à mesa, retirar secreções do nariz, falar com a boca cheia, não gostar de tomar banho, urinar fora do vaso sanitário, etc. Convencionou-se usar o adjetivo “porco”, numa referência ao animal, mas na verdade, os seres humanos (e somente eles), são capazes de realizar mais “porcarias” - inclusive conscientemente - do que qualquer porco. Considera-se “porco” o animal capaz de chafurdar na lama e no lixo em busca de comida e que tem coragem de comer a sua costumeira “lavagem”.



Mas há porcos criados em condições especiais, embora sofrendo em cativeiro, que vivem e precisam de ambientes extremamente limpos, alimentando-se de ração especial.

Considerando-se que porcos domésticos acabam em lixões ou comendo lavagem em coxo, (não por culpa deles), e que humanos comem de fato verdadeiras “porcarias”, como intestinos de boi, rins, cérebro de macaco, bunda de formiga, olho de passarinho e de atum, baratas, morcegos (na China), ovas de peixes, pênis de cachorro, mortadela (feita com restos de vários tipos de animais), chouriço (feito com sangue de porco), testículos de vários animais, miolo (cérebro de boi), bofe (pulmão bovino), carnes putrefatas (carne-de-sol), carne crua (quibe árabe), picanha sangrenta e buchada nordestina, cabe a pergunta: Quem é o porco?



Também em relação ao comportamento e à ética, podemos verificar que realmente há humanos que são porcos (adjetivos) e que há porcos que, pela sua sensibilidade e benevolência, são bem mais “humanos” (adjetivo) que muitos humanos (substantivo).

Fonte: "Alimentação para um Novo Mundo" Ed.Record.

JACQUELINE KELEN


Este texto realmente me tocou profundamente porque foi escrito de forma concisa e simples, evidenciando de forma objetiva como nós, humanos, fomos construindo, ao longo dos séculos de nosso processo ‘civilizatório’, uma filosofia e literatura onde os animais são seres perigosos que devem ser combatidos. A escritora mostra como a construção da superioridade humana passa pela desconstrução do respeito para com as outras espécies. Jacqueline questiona justamente esta ‘humanidade’ que, para existir e se afirmar destrói todas as outras espécies. Em um grito sufocado, clama à consciência do homem pós-moderno:

“Trata-se de proteger a Natureza e seus habitantes do império ameaçador e extremamente armado do homem e protegê-los de sua sede inveterada de dominar. Trata-se de defender os gorilas, os tigres, as baleias, os elefantes, os rinocerontes… Defendê-los do aquecimento planetário, da poluição dos solos e da água, dos desmatamentos das florestas, dos automóveis, das indústrias, das especulações imobiliárias, do turismo em massa, dos caçadores e contrabandistas, da urbanização, do incentivo ao lucro, dos laboratórios de experimentação científica.”

Vale a pena ler e reler!

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Nos textos bíblicos e na literatura da Antiguidade, o urso, o lobo, o leão e o javali evocam sem sombra de dúvidas a ferocidade, a crueldade e a força destruidora. Estes animais selvagens que vivem nos desertos, nas florestas, em lugares inóspitos e perigosos, geralmente são retratados como sendo hostis ao homem e tanto o campeão divino quanto o herói civilizador enfrentam animais temíveis, assim como enfrentam diversos monstros, para saírem vitoriosos das provações.

Sansão destrói um leão com as mãos, Hércules vence várias feras, reais ou imaginárias (leão, javali, a corça de Cerínia, a hidra, etc.) e Teseu recebe o mérito de se tornar rei por ter conseguido liberar o país de vários dragões e de criaturas monstruosas, dentre as quais o famoso minotauro.

Assim, a civilização e a religião se estabelecem contra a natureza, que é vista como violenta, desordenada, imprevisível; a civilização e a religião afirmam a superioridade da razão e da inteligência humanas , assim como a superioridade da linguagem articulada.

O herói que caça o javali ou que combate o urso significa, igualmente, no plano interno, o homem que doma, purifica e domina seus instintos primários – de egoísmo, de avidez, de ódio… - a fim de se tornar sábio ou verdadeiramente humano.

O tempo passou e houve uma inversão de valores e de papéis…

Antigamente era necessário proteger o ser humano de uma natureza obscura e invasora, parecia indispensável ao homem canalizar suas forças para combater animais ferozes; em nossos dias, trata-se de proteger a Natureza e seus habitantes do império ameaçador e extremamente armado do homem e protegê-los de sua sede inveterada de dominar.

Trata-se de defender os gorilas, os tigres, as baleias, os elefantes, os rinocerontes… Defendê-los do aquecimento planetário, da poluição dos solos e da água, dos desmatamentos das florestas, dos automóveis, das indústrias, das especulações imobiliárias, do turismo em massa, dos caçadores e contrabandistas, da urbanização, do incentivo ao lucro, dos laboratórios de experimentação científica.

Bem, todos estes flagelos são causados por pessoas que se dizem civilizadas por estarem equipadas com máquinas e apetrechos modernos. Pessoas cujo único ídolo é o dinheiro.

Seria inocente pensarmos que os casacos de pele que estão novamente nas revistas e nos desfiles de moda exprimam uma nostalgia da natureza em seu estado selvagem. A moda de casacos e roupas de pele é a exibição de uma violência que não conhece o sentimento de culpa, nem o peso na consciência.

A pequena raposa que pedia ao pequeno príncipe para ser cativada está bem longe de nossos dias…



A linguagem do coração foi enterrada. Atualmente a gentil raposa é despedaçada e serve de roupa para uma cretina.

A ferocidade mudou de terreno. Agora ela se tornou apanágio dos seres humanos.

Restam poucos animais selvagens no mundo, eles nos «falam» de uma liberdade perdida, de uma beleza natural e de uma alegria que nós massacramos ao longo dos séculos.

Todo relacionamento com outro ser humano ou com um animal envolve a resolução ou não de nossos antigos fantasmas e coloca em cheque mate nossas certezas. Ou nos relacionamos como dominantes (e, para os animais este é um combate desigual e desleal, pois já começam o jogo como perdedores, se levarmos em conta a diferença das forças que são confrontadas) ou nos relacionamos amorosamente, com respeito, atenção, benevolência, compreensão, espírito de partilha: com o coração límpido.

"Os homens não têm mais tempo para conhecerem as coisas. Eles compram tudo pronto nas lojas. Mas, como as lojas não vendem amigos, os homens não têm mais amigos".

Sim, a pequena raposa ainda fala no deserto dos homens.


Jacqueline KELEN, escritora.
Tradução e adaptação de Kris.





PIEDADE PARA OS ANIMAIS

A tragédia do dia seguinte, como escrevia Edward Gibbon a respeito dos espetáculos romanos, consistia em um massacre de “cem leões, cem leoas, duzentos leopardos e trezentos ursos”.

O tempo destes odiosos espetáculos acabou (ainda que diversas brigas de galo, cães ou touros possam nos fazer pensar que poderíamos preencher um circo com amadores de sangue). Mas a verdade, se consentirmos olhar as coisas de frente, é que nossa sociedade faz prova de uma crueldade ainda maior e mais secreta. Nenhuma civilização infligiu tão terríveis sofrimentos aos animais quanto a nossa, em nome da produtividade racional “do menor custo”.

O Império Romano massacrava setecentas feras em um dia festivo, mas nossas sociedades condenam MILHÕES de animais a um longo martírio.

Não tenhamos medo de dizer a verdade: nossos países ocidentais estão cobertos por campos de concentração e salas de tortura. Caminhões do terror cruzam nosso território a todos os instantes e em todos os sentidos. Por causa da pecuária intensiva, as fazendas tornaram-se centros de exploração e detenção: verdadeiras instalações onde são aprisionadas criaturas que a natureza concebeu para a luz, para o movimento e para o espaço.


Somente na França, 50 milhões de galinhas têm o bico cortado com ferro quente, são encarceradas por toda a vida em gaiolas minúsculas onde não podem dormir nem estender as asas; a maior parte de seu alimento provém de fossas sépticas e de lamas residuais de depuração de esgotos.


As leitoas são presas com correntes noite e dia, durante 2 anos e meio, em compartimentos que lhes impedem todo tipo de movimento. Bezerros de 145 kgs são acorrentados na escuridão em celas de 0,81m...

Galinhas que são criadas para se transformarem em alimento têm os flancos hipertrofiados e seus ossos não conseguem carregá-las, tornando-lhes impossível qualquer deslocamento.

Através de um tubo de 40 centímetros que é colocado dentro do esôfago dos patos e gansos, aparelhos pneumáticos obrigam estes animais a engolirem à força 3 kgs de milho (o equivalente a 15 kgs para o organismo humano), que descem queimando. Estas aves vivem imóveis em seus caixotes gradeados; de toda maneira, de tão obesos, não conseguem ficar em pé.

Para terminar uma breve existência, muitos desses animais ainda são transportados em condições terríveis, empilhados sem alimento, sem cuidados, sem água, rumo a viagens sufocantes que duram dias, rumo a intermináveis percursos que lhes são freqüentemente fatais. Quem teve a oportunidade de presenciar isto, não esquece mais.

Na China, onde é costume ferver e tirar a pele dos animais ainda vivos, ursos selvagens são presos em gaiolas tão pequenas, onde não podem nem mesmo assentarem; perdendo por isso a utilização de seus membros. Uma sonda é introduzida em seu fígado, para retirar a bílis produzida por este órgão. E, no Ocidente, a “Comunidade Científica” está ‘fabricando’ com capricho um novo gênero de animais: sem pelos, sem plumas, sem gordura, cegos e dotados de 4 coxas.

Seria longo e penoso multiplicarmos os exemplos...

Para esses milhões, para esses milhares de animais, o simples fato de existirem, desde seu nascimento, até sua morte, é um suplício. Cada segundo de suas vidas é aterrorizador e cheio de sofrimentos. Nós, seres humanos, lhes impomos por razões tão mesquinhas (nosso estômago e gula) uma vida horrível. Como podemos não sentir vergonha deste comportamento tão egoísta?
Por uma carne mais branca, por alguns centavos ganhos em cada ovo, por um pouco de músculo a mais em volta do osso...


Cruéis quitutes, cruéis guloseimas”, dizia Plutarco.

Quanto aos animais selvagens, sabemos que também não são poupados pelos humanos: vítimas de armadilhas, fuzis, espingardas, veneno, tráfico, poluição, destruição de seu habitat.

8500 espécies de vertebrados estão ameaçadas de extinção a curto prazo. O homem é o único responsável por este extermínio que não pode nem mesmo ser comparado aos extermínios massivos do período mesozóico.

Na República dos Camarões, os grandes macacos atualmente são vítimas do que poderíamos denominar “destruição sistemática”, comparável a um tipo de genocídio. No tocante à proteção dos animais selvagens, a França - que tanto zelo mostra para legalizar a caça ilegal - é um país que não pode dar lições ao mundo.

Presenciamos recentemente milhares de mortes monstruosas, terríveis holocaustos nos quais animais não foram “eutanasiados”, como se publica pudicamente, mas sim massacrados e queimados aos milhares, mesmo aos milhões, no Reino Unido, vítimas de uma doença freqüentemente pouco grave (a febre aftosa), mas considerada responsável por atrapalhar o comércio e depreciar o preço da mercadoria. É necessário tomarmos conhecimento que muitos animais continuam a ser abatidos após o episódio e que 45.000 vacas sadias foram atualmente sacrificadas na França para "a reabilitação do mercado"

Este tipo de reação que já consideramos revoltante quando se trata de leite ou de verduras, é admissível para com seres sensíveis, afetuosos e temerosos que só nos pedem para viver?

Os criadores de gado reclamaram sobre o montante das indenizações, a lentidão destas... Raros foram aqueles que pensaram nos animais. Trata-se de uma pecuária de pesadelo: baseada em um sistema de indenizações que devem ser pagas quando acontece algum dano: um prêmio à tortura, à poluição.

Quem não pensou nos piores horrores medievais, vendo as cremações massivas dos animais, covas coletivas imensas cobertas com escavadeiras!

A que horror o mundo atual deseja nos preparar, quando classifica toda e qualquer compaixão que sentimos pelos animais como ‘sensibilidade exacerbada’ ou ‘zoofilia’?



CONDENADOS SEM LINGUAGEM

Os sentimentos e os negócios nunca deram certo juntos, parece-me, entretanto, que atualmente nós ultrapassamos o limite do suportável. Será que um criador de animais ainda faz a diferença entre uma criatura que sofre e um objeto manufaturado, quando diz que o bezerro é “o produto da vaca”? Sobretudo em um tempo em que escutamos falar de “órgãos vitais” para um automóvel e “peças destacáveis” para os corpos.


É verdade que em todos os lugares homens, mulheres e crianças são vítimas da injustiça, da arbitrariedade, da miséria ou de maus tratos; que a humilhação do próximo ainda é um princípio universal. É verdade que tantos inocentes mofam esquecidos nas prisões. Mas os sofrimentos se adicionam, sem se excluírem.

“No combate pela vida, escrevia Raoul Venegeim, tudo é prioritário”.

Podemos ser felizes quando sabemos que outros seres vivos não importam quem sejam gemem?

Aqueles que ficam indiferentes ao destino dos animais, aqueles que riem, zombam ou levantam os ombros em nome de outras “prioridades” deveriam se perguntar se esta reação não seria próxima à dos adeptos da desigualdade, partidários da escravidão até o início do século XIX, ou aquela dos adversários do voto feminino há cerca de 50 anos atrás. No Camboja, em Ruanda, nos Balcãs, em nome de certas “prioridades” (de nacionalidade, de raça, de religião) vítimas foram eliminadas.

A nossa compaixão é tão limitada que é necessário estabelecermos hierarquias subjetivas entre aqueles que merecem ser salvos em primeiro lugar, depois em segundo, depois os que não o merecem? Será necessário esperarmos que todos os europeus não sofram para nos preocuparmos com os africanos... Ou que todos os seres humanos sejam tratados dignamente para somente depois nos preocuparmos com os animais? A que odiosa ‘escolha de Sofia’ estaríamos então incessantemente confrontados?

Claude Lévi Strauss escreveu:
“O homem ocidental não pode compreender que ele abriu um ciclo maldito ao se dar o direito de separar radicalmente a humanidade da animalidade, concedendo a uma tudo o que retirou à outra. E que a mesma fronteira que a humanidade constantemente recuou para a animalidade, serviria também para separar homens de outros homens, assim como para reivindicar para minorias cada vez mais restritas, privilégios de um humanismo corrompido... A única esperança que temos de não sermos tratados como animais pelos nossos semelhantes é que todos eles se sintam imediatamente como seres que sofrem”.

Perguntemos francamente: porque os homens teriam o direito de agirem com os animais como bárbaros agem com inocentes? Porque sempre é necessário ser inquisidor, demoníaco, escravagista ou o opressor do outro? A priori, porque algumas vidas devem ser julgadas desprezíveis? Enquanto a humanidade crer estar autorizada a maltratar um ser sensível pelo fato deste ser ter plumas ou chifres, ninguém estará a salvo.


A causa dos animais avançou muito, tanto nos fatos quanto nas mentalidades. Somente na França, dezenas de associações a defendem e, mundialmente, esta luta nunca uniu tantos militantes quanto agora. Noventa por cento dos franceses declaram estar prontos a pagarem 15 centavos a mais por um ovo de galinha livre. Até mesmo a legislação evoluiu. Mas pouco, lentamente... Enquanto os fenômenos de extinção maciça e de pecuária produtiva intensiva avançam rapidamente, devido a razões econômicas que se opõem obstinadamente à sensibilidade individual.

Podemos oferecer apenas alguns gestos simbólicos aos inumeráveis condenados sem linguagem que esperam por nossas atitudes que não virão...


Não esperamos que todos os franceses se tornem vegetarianos, nem, como alguns pedem, que os direitos humanos sejam estendidos aos macacos. Mas que vergonha teria em criarmos uma Secretaria de Estado da Condição Animal como foi criada a “Secretaria da Economia Solidária”?

A Bélgica não hesitou. Portugal renunciou à criação com “gavage” (método de alimentar as aves com um funil). O Reino Unido projeta proibir a caça com corneta “á courre”. Apesar de sua política agrícola, a Europa se debruçou timidamente, mas realmente sobre a questão da pecuária, da caça, da experimentação animal em laboratórios e do bem estar animal. Cedo ou tarde, nos indignaremos massivamente porque a humanidade torturava os animais por razões econômicas.

Assim como nos indignamos atualmente com os massacres romanos, com as fogueiras medievais...

Quanto mais cedo nos indignarmos... melhor!!!
Armand Farrachi


“Por um pedaço de carne, roubamos a vida de uma alma de luz ,
lhe roubamos o espaço de tempo que viveria e pelo qual ela se alegrava”.
Plutarco


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